
Da Redação
Um estudo inédito sobre as síndromes de burnout (SB) e fadiga por compaixão (FC), publicado na Revista Brasileira de Cancerologia, representa um marco para a compreensão dos impactos emocionais e psíquicos em profissionais de saúde da linha de frente do cuidado a pacientes oncológicos.
A pesquisa, conduzida pelo médico de família e comunidade Arthur Fernandes da Silva, atual Secretário-Geral da Academia Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP), lança luz em diversos setores do itinerário terapêutico oncológico — cuidados paliativos, emergência, oncologia clínica e terapia intensiva, a partir de dados colhidos em um Centro de Alta Complexidade em Oncologia (Cacon) do Recife, capital de Pernambuco.
A fadiga por compaixão é uma condição que afeta profissionais que trabalham com pessoas em sofrimento, causando exaustão emocional e física devido ao contato constante com o sofrimento alheio.
Com abordagem transversal e quantitativa, o estudo avaliou 83 profissionais (médicos, enfermeiros e técnicos de enfermagem), e usou dois instrumentos reconhecidos internacionalmente e validados no Brasil: o Oldenburg Burnout Inventory (OLBI), para medir níveis de desligamento do trabalho e exaustão emocional; e a Professional Quality of Life Scale (ProQOL-IV), que avalia fadiga por compaixão, burnout e satisfação por compaixão — considerada um importante fator protetor.
Principais achados
A pesquisa revelou que os profissionais médicos são os mais vulneráveis ao sofrimento emocional. Eles apresentaram os menores índices de satisfação por compaixão (45,6%) e os maiores níveis de desligamento do trabalho (2,28 pontos em uma escala de 1 a 4), em comparação a enfermeiros e técnicos de enfermagem. Enfermeiros, por sua vez, relataram os maiores níveis de fadiga por compaixão (53,9%) e de exaustão emocional (3,04 pontos).
Os técnicos em enfermagem, grupo que normalmente recebe menos atenção em estudos sobre saúde mental de equipes, mostraram os indicadores mais saudáveis entre as três categorias avaliadas — com níveis elevados de satisfação por compaixão e os menores índices de exaustão emocional.
Do ponto de vista setorial, os resultados evidenciam um perfil de risco elevado nas equipes de emergência e terapia intensiva. Estes setores apresentaram os piores índices de bem-estar emocional, com níveis mais altos de desligamento do trabalho e menores pontuações de satisfação por compaixão. Por outro lado, os profissionais que atuam nos cuidados paliativos se destacaram por demonstrar um perfil mais resiliente e positivo: foram os que apresentaram maior satisfação por compaixão (53,6%) e menor desligamento do trabalho (1,86 pontos).
Importância e inovação da pesquisa
Para Arthur Fernandes, os dados reforçam a urgência de ações institucionais que garantam condições mais saudáveis de trabalho nas áreas de alta demanda emocional. “Profissionais que lidam com dor, morte e sofrimento de forma tão constante, como nas UTIs e emergências, estão mais expostos a desgastes psíquicos severos. Identificar esses padrões é o primeiro passo para criar estratégias de prevenção e cuidado”, afirma.
O estudo inova por oferecer uma análise comparativa entre categorias profissionais e setores assistenciais, algo ainda escasso na literatura científica brasileira. Além disso, contribui com evidências validadas que podem embasar a criação de políticas públicas voltadas ao bem-estar das equipes de saúde. As políticas devem atender, principalmente, instituições oncológicas — onde o sofrimento do paciente e de seus familiares é muitas vezes extremo e contínuo.
Implicações práticas e políticas
A pesquisa corrobora com dados internacionais que apontam para uma realidade semelhante: médicos das áreas de emergência, terapia intensiva e clínica oncológica têm risco aumentado de sofrimento emocional e desgaste profissional, com impactos diretos na qualidade do cuidado prestado.
Ao mesmo tempo, mostra que ambientes como os de cuidados paliativos — por sua abordagem interdisciplinar, comunicação compassiva e foco no bem-estar global do paciente — podem proteger emocionalmente as equipes, favorecendo a empatia e a resiliência.
A ANCP avalia que os achados podem embasar ações práticas, como programas de autocuidado, treinamentos em comunicação empática, supervisão clínica e reorganização dos ambientes de trabalho. A entrada em vigor da CID-11, que reconhece o burnout como fenômeno ocupacional, fortalece a responsabilidade institucional na promoção da saúde mental de seus profissionais.
A íntegra do artigo está disponível no link: https://doi.org/10.32635/2176-9745.RBC.2025v71n3.5273.
O autor disponibilizou, ainda, um produto técnico relacionado à pesquisa, que foi o ebook “O custo do cuidado: estratégias para reforçar o capital psicológico individual e organizacional”, com abordagens práticas direcionadas para intervenções de enfrentamento ao burnout em níveis pessoal e institucional. O ebook está disponível na íntegra em: http://higia.imip.org.br/handle/123456789/593.
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