Por Etiene Ramos
Humanismo, medicina e poesia. Pode não ser exatamente esta a ordem, mas as três palavras se fundem na personalidade e na trajetória do médico pernambucano Francisco Barretto, o Dr. Chicão. Aos 82 anos, completados nesta terça-feira (11), ele continua atuante. É um dos diretores da Clínica Médica do Hospital Português, no Recife, onde atende pacientes em consultório, todos os dias da semana.
Vamos contar um pouco da vida, das opiniões e habilidades deste médico que faz história na saúde do Recife com uma série de reportagem iniciada hoje e que continua até quarta (12).
Em quase 60 anos de medicina em Clínica Médica, que envolve as especialidades de pneumologia, infectologia, gastroenterologia e hepatologia, Dr. Chicão ganhou fama por desvendar diagnósticos que outros profissionais muito experientes não conseguiam. Quando o caso está difícil, os que já são clientes ou ouviram falar sobre o médico, recomendam: “leva para Chicão”.
Com fala mansa e sorriso largo, ele explica que essa fama não tem nada de sobrenatural, não é bola de cristal. “Tem a ver com a sensibilidade com o ser humano. Tem a ver com meu treinamento nos Estados Unidos, onde fui fazer uma especialização sobre doenças do fígado e me deparei com um ambulatório de doenças raras, no Hospital John Wesley County, que não era um hospital universitário, era da comunidade”, revela Dr. Chicão. Na pós-graduação na University of Southen California, entre 1969 e 1971, ele passou também pela prática e pesquisa do Hospital Los Angeles County.
A experiência abriu não só horizontes, mas o ensinou a lidar com uma doença rara “sem cair do cavalo, sem tomar sustos”. Isso porque sem os recursos médicos e a tecnologia de hoje, os então residentes do John Wesley County tinham reuniões semanais com o coordenador que lhes entregava revistas médicas para buscarem descobertas que poderiam ajudar no tratamento dos pacientes. “Nós escolhíamos doentes raros para estudar os casos. Foi uma boa experiência, serviu para tirar o medo e a lidar com naturalidade com qualquer doença”.
Apesar dos convites para continuar nos Estados Unidos, Dr. Chicão preferiu voltar para sua terra, o Recife, e para a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Dessa vez não mais como aluno, mas como professor e pesquisador. Na época, ao lado do professor Amaury Coutinho – médico recifense e um dos maiores estudiosos de doenças tropicais do país, avançou nas pesquisas sobre esquistossomose. Publicou trabalhos no Brasil e no exterior, inclusive na Annals of Parasitology e na New York Academy of Scienses.
Mas haviam divergências na universidade por questão éticas, vaidades e a pressão por publicações de estudos e resolveu não ser pesquisador. “Tive muito orgulho de querer trazer uma formação nova para melhoria do ensino em Pernambuco. Foi uma boa experiência, mas a pesquisa não cabia em toda a minha emoção. Passei a ser mais clínico”.
Se a universidade perdeu um mestre, o Nordeste ganhou a primeira residência em clínica médica em um hospital público, o Agamenon Magalhães, no Recife. Dirigida por Dr. Chicão, a residência transformou o hospital cirúrgico do então Instituto Nacional de Previdência Social (INPS) – um precursor do Sistema Único de Saúde (SUS), num ambulatório.
“Fomos pioneiros no país junto com um hospital do Rio de Janeiro. Depois, nosso colega Edi Oliveira mudou-se para São Paulo e como lá não tinha residência com atendimento em hospital do INPS, implantou o serviço. Foi uma metástase pernambucana”, brinca Dr. Chicão. Ele dirigia a residência e contava com um ‘dream time’ de preceptores, onde se destacavam o clínico geral Luiz Fernando Maciel, o cardiologista Henrique Cruz, o patologista Vitorino Spinelli e o endocrinologista Ney Cavalcante.
“Também trouxemos médicos que estavam em Nova Iorque e em Miami para temporadas. Onde tinha um pernambucano a gente dizia “não dá saudade, não? Vem passar um tempo aqui. E eles vinham”, recorda Dr. Chicão que se orgulha da iniciativa. “Foi a coisa mais importante que fiz: criar um serviço de pós-graduação público, de um hospital que hoje é do SUS, com atendimento ao público por recém-formados e estudantes de medicina, e continua a ser o mais procurado pelos alunos que passam na prova da residência”, declara.
Antes da residência do Agamenon Magalhães, o Recife só contava com a do Hospital Pedro II, ligado à UFPE, e o Hospital Universitário Oswaldo Cruz, da atual Universidade de Pernambuco (UPE). “O mostruário que tinha para formação nos hospitais universitários era pequeno e viciado. Muito diferente de um hospital com diversas doenças. Tínhamos uma vitrine muito maior para formação do médico no Agamenon Magalhães”, lembra Dr. Chicão.
Era início da década de 1970 e o Agamenon tinha 80 leitos mas era basicamente cirúrgico. “Entrei pela porta da cirurgia, mas criei a enfermaria clínica também e o hospital passou a ser também clínico. Levei a residência médica da UFPE para lá. Agamenon era a terceira opção para residência e hoje é a primeira escolha em clínica médica”, afirma o médico.
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