Da Redação
Um grupo de 58 pesquisadores de diferentes regiões do Brasil apresentou à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) uma contribuição técnico-científica com propostas para o aperfeiçoamento das regras que tratam do cultivo da Cannabis sativa para fins científicos e terapêuticos no país. A iniciativa busca subsidiar o debate regulatório com base em evidências científicas atualizadas e nas condições reais de pesquisa no contexto brasileiro.
A Universidade Federal de Lavras (UFLA) é uma das instituições signatárias do documento, representada pelo Centro Biotecnológico de Plantas Psicoativas (CBPP), unidade de referência em pesquisa na área, coordenada pela professora Vanessa Cristina Stein, do Departamento de Biologia/Instituto de Ciências Naturais (CBI/ICN).
Redução de burocracia e revisão de limites
Entre os principais pontos defendidos pelos pesquisadores está a necessidade de regras mais proporcionais ao risco real envolvido na pesquisa científica com a planta. O grupo destaca, por exemplo, a importância de reduzir entraves burocráticos, adotar autorizações institucionais em vez de permissões fragmentadas por projeto e revisar limites técnicos. Segundo os especialistas, os limites não possuem consenso científico internacional, como o teto prévio de 0,3% de Tetraidrocanabinol (THC) — substância da cannabis associada a efeitos psicoativos, cuja concentração muda conforme a variedade da planta e a finalidade da pesquisa.
O documento também ressalta a relevância de estudos realizados em contextos reais, incluindo pesquisas desenvolvidas em parceria com associações de pacientes, como forma de ampliar o conhecimento científico e contribuir para o desenvolvimento de tratamentos baseados em evidências.

O engenheiro agrônomo, Ricardo Hazin Asfora, considera fundamental a inclusão dos estudos realizados por associação de pacientes como a Aliança Medicinal, onde desenvolveu um sistema de cultivo indoor da Cannabis sativa, em contêineres climatizados. Localizada em Olinda, Pernambuco, a associação atende hoje a cerca de 17 mil associados.
“Produzimos óleo medicinal e outros fármacos à base de Cannabis com plantas cultivadas sob rigor científico, lastreado nas nossas pesquisas e nas recomendações da Anvisa. Conseguimos fornecer medicamentos a preços mais acessíveis do que os importados ou fabricados pela indústria farmacêutica nacional porque nossa associação não tem fins lucrativos”, explica Asfora, que é diretor-executivo da Aliança Medicinal e apoia universidades locais em pesquisas sobre uso da cannabis com fins terapêutivos.
Restrições impõem riscos à soberania nacional
Assinam a contribuição especialistas das áreas de agronomia, genética vegetal, química analítica, farmacologia, toxicologia, neurociências, medicina, saúde pública e pesquisa clínica. Os pesquisadores estão vinculados a universidades públicas, comunitárias e privadas, institutos federais de pesquisa e centros acadêmicos de excelência do Brasil.
De acordo com a professora Vanessa Stein, o grupo de pesquisadores considera que um marco regulatório excessivamente restritivo pode comprometer a soberania científica brasileira, dificultar a formação de recursos humanos qualificados e ampliar a dependência do país em relação a dados, tecnologias e insumos estrangeiros. “A proposta apresentada à Anvisa tem caráter técnico e colaborativo, com o objetivo de contribuir para a construção de uma regulação mais alinhada à ciência, à inovação em saúde e às necessidades da sociedade”, explica.
Os pesquisadores afirmam ainda que o Brasil tem a oportunidade de avançar na criação de um modelo regulatório que fortaleça a pesquisa científica nacional, estimule a inovação e amplie a autonomia do país no campo dos estudos sobre substâncias derivadas da cannabis.

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