
Por Ester Marques e Nicolle Gomes
O câncer de mama é a principal causa de morte por câncer entre as mulheres no Brasil, atesta o Instituto Nacional de Câncer (Inca). Em 2021, quase 50 pessoas por dia morriam de câncer de mama, segundo o Ministério da Saúde. De 1996 a 2021, foram 18 mil vítimas da doença. No entanto, quando falamos sobre a mortalidade do câncer de mama, é preciso considerar mais do que apenas dados médicos.
A desigualdade social e financeira tem um papel decisivo na jornada de muitas pessoas que enfrentam essa batalha. Para as que utilizam os serviços públicos de saúde, existem certos impedimentos no acesso a consultas preventivas, e na necessidade do tratamento os obstáculos são ainda maiores. Ednauria Messias, de 61 anos, é uma das mulheres que dependem do sistema público para fazer exames preventivos. “Só consigo fazer a mamografia, para a prevenção, quando aparece o carro do mamógrafo móvel na vizinhança. Esse ano, onde moro, não apareceu, então eu não fiz. É muito difícil. Nem indo para as médicas. Elas não encaminham a gente. E se encaminharem, passam meses até chamarem para a consulta. Quando chamam, a gente tem dificuldade, porque colocam para lugares longe.”, relata.
A lei dos 60 dias
A Lei 12.732, sancionada em novembro de 2012, regulamenta que o Sistema Único de Saúde (SUS) precisa iniciar o tratamento de pacientes com câncer – inclusive o de mama – em até 60 dias. Em Pernambuco, 66% dos pacientes com a doença não vivem o cumprimento desta lei. A médica mastologista do Hospital de Câncer de Pernambuco (HCP), Carolina Vasconcelos, enfatiza a importância do tratamento imediato e do diagnóstico precoce, que podem salvar vidas. “O descumprimento da lei dos 60 dias pode impactar na sobrevida da doença, diminuindo as chances de cura, e aumentando as complexidades dos tratamentos. Por isso é importante o mantimento desses prazos.”
Ainda de acordo com o INCA, mulheres que vivem em regiões periféricas ou rurais têm menos chances de diagnóstico precoce e de um tratamento digno. A mastologista destaca uma série de desafios que mulheres em situação de vulnerabilidade financeira e social podem enfrentar, nesse cenário. “Desde dificuldade em agendar os exames de rastreamento, como a mamografia, e exames complementares; dificuldade de acesso ao médico especialista; dificuldade em agendar biópsias e exames de estadiamento; até falta de tratamentos de alta complexidade, como quimioterapia, são problemas de saúde pública que os pacientes com suspeita ou diagnóstico de câncer de mama enfrentam hoje no SUS”, detalha.
A médica diz ainda que o impacto de cuidados de má qualidade vai muito além da mortalidade. “Pode levar a sofrimento desnecessário, sintomas persistentes, perda de função e falta de confiança no sistema de saúde, além de recursos desperdiçados e gastos com a saúde pública.”
Acesso público com exames particulares
As adversidades enfrentadas por quem encara um diagnóstico recente podem desenvolver certo desespero no enfrentamento da doença. Além disso, para quem depende da fragilidade do sistema público, é inevitável sentir o desamparo causado por instituições despreparadas e debilitadas. Assim, há quem faça sacrifícios para tentar fugir dos processos dos serviços públicos.
É o caso de Kelly Albuquerque, que ao se deparar com o choque do diagnóstico, e os impasses para alcançar os primeiros passos do tratamento pelo SUS, se viu obrigada a recorrer ao encaminhamento particular para iniciar o tratamento no HCP. “Ao mostrar os exames para a médica, ela olhou para mim e perguntou se eu tinha dinheiro. Ela disse que era porque eu precisava fazer uma biópsia. Recorri ao particular, porque a gente sabe que pelo SUS demora muito, e fiz no particular a biópsia, que confirmou o diagnóstico. Juntei todos os exames e levei de volta para minha médica. Ela perguntou, novamente “você ainda tem dinheiro? Porque se você conseguir pelo particular, você consegue agilizar sua cirurgia”.
A maioria das mulheres que precisa de tratamentos e depende do SUS não tem a mesma oportunidade de usufruir dos serviços particulares de saúde. A única opção, então, é aguardar, e lidar com a insegurança de não ter certeza sobre o andamento do tratamento de uma doença tão mortal quanto o câncer de mama.
Atraso no Brasil aumenta incidência
De acordo com a mastologista Carolina Vasconcelos, países de alta renda já registram queda na mortalidade dessa doença, enquanto o Brasil apresenta aumento da incidência e da mortalidade, devido à falta de disponibilidade e de acesso aos métodos diagnósticos e terapêuticos. “A demora também no diagnóstico e no início do tratamento tem sido associada a um pior prognóstico da doença e diminuição na sobrevida. Atrasos entre a suspeita e a primeira consulta com o especialista são frequentemente associados à idade avançada, baixa escolaridade, falta de informação sobre a doença, e não ter plano de saúde e falta de recursos financeiros para procurar um médico”, diz.
Os investimentos do Estado para o tratamento preventivo e diagnóstico precoce do câncer de mama seriam, além de uma forma de salvar vidas, estratégias econômicas para o sistema público de saúde. Nos estágios mais avançados da doença, o uso de quimioterapia, radioterapia, e até mesmo tratamentos paliativos – além do suporte para complicações – eleva significativamente os custos para o sistema de saúde e para as pacientes.
A mastologista, reforça: “assistência à saúde e tratamento adequados são fundamentais para garantir ao paciente um tratamento universal e uma maior segurança em relação ao seu tratamento, visando qualidade de vida e maiores chances de cura da doença”.
A doença não escolhe classe social, e as pacientes de câncer de mama também não. A desigualdade no Brasil ainda determina o desfecho de várias histórias. É necessário que haja uma reflexão e ações governamentais, além de movimentos populares e sociais, para que todas as mulheres, independente de suas condições financeiras, tenham direito ao cuidado que merecem e é determinado por lei.
Foto: National Cancer Institute
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