Este trem da vida é uma invenção minha. É uma fantasia. Ele é e está dentro das pessoas. É como a gente andar na máquina do tempo cheia de vagões. No primeiro vagão, temos necessidades e dentro da nossa interação com o mundo em que vivemos atuamos para atender essas necessidades e desejos.
Fazemos escolhas, no que dispomos, dentro e fora de nós, para realizar e atender o segundo vagão. (o das escolhas). A forma como atendemos estas escolhas vai definindo nossos valores. Valor, é aqui entendido como tudo que para nós seja uma não indiferença. Estes valores podem ser positivos, se nos aproximamos dele, ou negativos se nos distanciamos deles, podem ter um enviesamento moral como bem diz Kant, um imperativo moral categórico, quando afinados a cultura da moralidade que seria o terceiro vagão ( Valores).
Ao cabo, e ao longo da vida, nós somos um somatório destes valores que nos torna previsíveis.Temos uma identidade que seria o quarto vagão, (Identidade) que se desenhou epigeneticamente pelo que o mundo solicitou de nós na nossa caminhada e pelo que trazemos e herdamos.
Evolutivamente, carregados no nosso genoma e expressados pela demanda do mundo que nos cerca, da realidade que vivemos e que o tempo trás. É como me conheço. É como conheço o outro, os outros. Conhecer é isto que me permite ter previsibilidade e repousa nos valores que nos identificam e são despertados pela demanda do mundo.
Crescemos atendendo a demanda do mundo e do nosso relógio cronológico que vai nos levando a diferentes fases da nossa vida. Ao longo deste curso temos vários despertares. Tomamos consciência do que somos, atualizando-nos a nós mesmos.
Despertar tem neste contexto o significado de “A. Damásio”: a conexão da minha mente comigo mesmo. Eu, de volta a mim em conexão comigo. Proprietário da minha mente. Um processo neurobiológico de muitas conexões de diversas redes neurais dos nossos domínios mentais. Complexo este processo da consciência humana que nos permite saber que existimos, que podemos conhecer o que somos, o que sentimos e o que pensamos. Uma ficção, parte documentário e parte subjetividade que nos dá livre acesso ao raciocínio e a memória. Todos temos livre acesso a nossa consciência.
Embora ela , a consciência, seja de um conhecimento pervasivo, a tomamos em conta sem nem questionar a sua existência, diariamente ela desaparece e reaparece, quando durmo e quando acordo, e nem sempre eu tenho consciência dos porquês das minhas atitudes quando desperto.
A subjetividade capacita a mente, permite o raciocínio e uma expansão da memória para a versão da consciência que nós temos. Permite florescer a criatividade e nossa expressão pelas artes, pela poesia, pela música, etc.
O mais importante é que estes três primeiros vagões do trem da vida: necessidades, escolhas , valores, levam ao quarto vagão, o da identidade. A este segue o vagão da atualização da identidade (quinto vagão), trazido pela realidade que vivemos (sexto vagão) que o tempo traz.
O desenvolvimento humano envolve a evolução do corpo e da mente desde o nosso nascimento até a nossa morte. Crescemos, mudamos ao longo deste ciclo, passamos por diferentes estágios. Na verdade, o nosso ciclo humano começa um pouco mais cedo, na fertilização ou até mesmo antes disso no espaço do filho, presente nos pais antes de nos conceber, que boa parte das vezes influenciam o modo como os pais se relacionam com os seus filhos.
Após a fertilização, em torno do sexto dia, após várias divisões celulares a estrutura assim formada se implanta na parede do útero. Gradualmente na estrutura que se vai formando de um modo finamente orquestrado, nossos distintos sistemas vão se formando. Ao momento que todos os órgãos estejam formados temos o feto. Durante o período fetal, os órgãos começam a amadurecer. O tempo total da fertilização ao nascimento é cerca de 38 semanas, 40 luas, nove meses. Neste período a relação que se estabelece entre mãe e filha entre a grávida e o projeto de criança, é um mistério.
As emoções que a mãe vive são de certa forma transmitidas ao feto em desenvolvimento. Acredita-se que o momento do parto, quando espontâneo, seja decorrente de um acordo entre os dois protagonistas: a mãe e o filho. A viabilização do projeto é suportada por um ajustamento da resposta imune neste período. Um fenômeno de tolerância imunológica. O sistema imune da mulher grávida deixa de responder aos antígenos parentais que são estranhos ao corpo dela no embrião em desenvolvimento.
Entretanto neste período existem trocas através da circulação placentária entre células de resposta imune da mãe que também circulam no feto e células da resposta imune deste que circulam na mãe e que assim permanecem, no corpo do outro após o parto durante anos, criando um fenômeno de microquimerismo que de certa forma contribui para uma maior prevalência de doenças autoimunes nas mulheres.
O percurso, do nascimento à morte é uma caminhada que envolve a passagem obrigatória em vários estágios que envolvem inicialmente o nosso crescimento e posteriormente o nosso declínio.
Vários estudiosos têm tentado descrever estas fases da vida entretanto o Erik Eriksson é quem caracteriza com mais profundidade estas fases. Em cada fase da vida que ele descreve existe um desafio, um aprendizado e a aquisição ou perda de um valor que fica substituído por outro ou por sua falta que irão perdurar e se apresentar sempre pelo resto da nossa vida como atributo dominante, como resposta às demandas trazidas pela vida.
Como exemplo, relativamente simples de entender, no primeiro ano de vida, quando a incapacidade e a dependência do outro para o atendimento de todas as suas necessidades são prontamente atendidas, o sentimento que é despertado no recém nascido é o de confiança, que se imprime como um sentimento básico que ele vai carregar por toda sua existência.
Ele aprende que é bem-vindo ao mundo, sua aceitação é sentida pela resposta e cuidados no atendimento às suas necessidades sejam elas da dimensão que forem. Atenção e carinho, afago, fome, frio, proteção, dor, cólicas, etc.
Suas necessidades são oportunidades ao seu desenvolvimento e seu aprendizado do novo mundo, o tudo que se faz para sustentar aquela vida, que ele apreende embora não tenha o amadurecimento adequado e a cognição para os insights, mas o registro é feito.
Os circuitos nervosos são estabelecidos e esta marca fica por toda uma vida . A vida vale a pena. O mundo lhe quer, lhe aceita e lhe trata bem. Você é bem-vindo.O sentimento gravado é de confiança básica. O oposto a isto deixa gravado um sentimento de desconfiança básica no mundo-novo que o recebe e que ele vive. Esta experiência primeira adversa é o que melhor explica a violência social que encontramos, bem como as dificuldades de combatê-la.
Não é a eficiência da polícia nas ruas que trará redução da violência social. Os países como Holanda, entre outros países capitalistas que têm estabelecido política de atendimento às necessidades dos recém-nascidos e suas famílias, têm logrado sucesso na redução da violência social, não simplesmente com a redução deste cenário como nos indicadores de presos por habitantes.
Mais recentemente os estudos dos ACES -Adverse Childhood Experiences -tem mostrado, por sua reprodutibilidade, que estas experiências adversas na infância, quando a criança não tem amadurecimento de processar o estresse que sofre e necessita o suporte de algum adulto na família e não encontra, esta falta de suporte é o que viabiliza a toxidez do mesmo que vai desenrolar todo um processo.
Um desenvolvimento anormal, o amadurecimento defeituoso do sistema nervoso, no processamento do estresse, que se segue por comportamentos defeituosos produtores de doenças, doenças vigentes, comuns na sociedade como hipertensão arterial, diabetes , obesidade, alcoolismo, adição a drogas, doenças pulmonares e a morte precoce.
Tudo se passa como se ficássemos engessados por estas experiências primeiras, vínculos que fecham portas. Neste trem, nossas necessidades ou nossos desejos, ditados pela cronobiologia, tem diferentes possibilidades de serem atendidas, conforme nosso amadurecimento , nosso patrimônio genético, o tipo de mundo à nossa volta. A idade, o tempo, o patrimônio genético, a cultura. Você e o mundo, suas necessidades e suas escolhas..
Suas escolhas, a forma como você atende suas necessidades vão definindo em você valores. Aos poucos o somatório de valores que adquirimos pode nos tornar conhecidos, previsíveis diante das demandas da vida, temos uma identidade. Esta identidade que temos sempre requer uma atualização em função das novas demandas que a vida nos trás. Há sempre uma necessidade de refletir sobre os nossos atos e tomarmos consciência de nós mesmos. Isso porque o tempo sempre traz novidades, demandas novas e com elas a necessidade de atualização.
Encenar uma nova verdade do que somos e que nem conhecemos ainda. Tomar consciência… Nossas necessidades, nossos desejos, nossos sonhos, nossos projetos, nossas metas são desafios que criamos para alimentar nossas vidas e nossa capacidade de crescimento.
O inesperado, o jamais imaginado, é o que a vida nos traz e nos deixa curvados diante dela buscando forças para continuar a luta e seguir viagem.
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