Alimentos na mesa do brasileiro não refletem nossa biodiversidade, diz pesquisa da USP

Hortaliças, legumes e verduras formam uma rica diversidade alimentar que não é tão bem aproveitada no Brasil - FOTO: Valter Campanato - Agência Brasil

Da Agência Brasil

O Brasil tem 20% da biodiversidade do mundo mas isso não se reflete nos alimentos que estão na mesa da população. Um estudo do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde, da Universidade de São Paulo (USP), revela que a quantidade de alimentos com origem na biodiversidade local que os os brasileiros adquirem é baixa. A pesquisa foi publicada na última sexta-feira (21) na revista Cadernos de Saúde Pública, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

O artigo que traz os resultados aponta que eles “são insatisfatórios e abaixo do que se espera de um território biodiverso e de um sistema alimentar que é destaque mundial”. A valorização e a expansão da monocultura em detrimento de pequenos agricultores é um dos elementos que explicam o resultado. “É necessário um maior comprometimento para a promoção de ações que fortaleçam o consumo desses alimentos entre brasileiros”, sugere o artigo.

“O estudo tem como objetivo descrever a disponibilidade de alimentos nativos de cada estado do Brasil para a população. Consideramos frutas, legumes e verduras da biodiversidade. E o que a gente observou é que a disponibilidade desses alimentos é bem baixa”, disse Anderson Lucas, um dos autores do texto.

Baixo consumo

Para o pesquisador, o consumo de frutas, legumes e verduras no Brasil já é baixo, mas, observando pela alimentação com itens da biodiversidade local, identificou-se uma quantidade menor ainda. “Isso se dá principalmente pela mudança do sistema alimentar global que favorece o cultivo de commodities, como milho e soja, que são base de alimentos ultraprocessados”, salientou.

Anderson Lucas afirmou ainda que sempre houve uma baixa aquisição de alimentos nativos no Brasil. Com   a expansão da monocultura nos últimos anos, essa disponibilidade de alimentos da biodiversidade nacional está caindo ainda mais.

A disponibilidade total (gramas/per capita/dia) de alimentos correspondeu a uma média de 1.092 gramas. A média da disponibilidade de frutas, legumes e verduras no país é de 108,67 gramas/per capita/dia, sendo que apenas 7,09 gramas correspondem à parcela de alimentos de origem da biodiversidade local.

Como biodiversidade local, os pesquisadores consideraram alimentos nativos do estado em que vive aquela pessoa. Os dados se referem a 38 alimentos nativos. Foi utilizada uma amostra com dados de aquisição de alimentos de 57.920 domicílios, coletados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2017 a 2018.

Separadamente, o grupo das frutas corresponde a 56,7 gramas/per capita/dia, sendo que apenas 5,89 g é a parcela de itens da biodiversidade local. No caso das verduras e legumes, são 51,97 gramas/per capita/dia, sendo que 1,20 gramas são alimentos nativos.

Por biomas, a caatinga apresentou a maior disponibilidade de frutas nativas na aquisição pela população (4,20 g/per capita/dia), enquanto para legumes e verduras, a Amazônia se destacou (1,52 g/per capita/dia).

“Isso faz mal para a saúde do planeta e também da população, traz impactos ambientais, além de não valorizar a agricultura sustentável e sim a agricultura por meio monótono, utilizando muitos agrotóxicos e venenos. E também prejudica as culturas tradicionais no Brasil. Esse tipo de alimento que estamos destacando faz parte de comunidades de povos indígenas e agrega para agricultura familiar”, explicou.

Sobre o consumo de frutas, legumes e verduras, a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda  quatrocentas gramas diárias desses alimentos em cinco ou mais dias da semana.

Soluções

O primeiro passo para uma mudança nessa realidade, segundo Anderson Lucas, seria considerar a sazonalidade dos alimentos. Outro ponto é a valorização dos alimentos cultivados em ambientes naturais, ao invés de ambientes controlados, com uso de agrotóxico e fertilizantes, que, artificialmente, aumentam o rendimento daquela cultura.  O pesquisador ressaltou que é preciso repassar tais alimentos com preço justo para a população.

“Para isso, temos que incentivar o cultivo desses alimentos. É preciso criar feiras, espaços de troca de conhecimentos e dar apoio técnico aos agricultores e às comunidades que plantam e colhem alimentos da biodiversidade”, recomenda. Na pesquisa, ele observou que alguns alimentos precisam de um trabalho muito manual para extração. Um exemplo é o coco babaçu, que necessita ser quebrado para retirar a castanha que rende leite da castanha de babaçu, além de farinhas e outras coisas”, explicou Anderson Lucas.

Em relação a introdução dos alimentos nativos na dieta da população, ele citou a possibilidade de inclusão na alimentação escolar, principalmente por meio do Programa Nacional de Alimentação Escolar, que adquire alimentos da agricultura familiar.

“É possível colocar esses alimentos na alimentação escolar e iniciar o debate sobre alimentação nas escolas. Isso vai ensinar as crianças desde cedo a escolher e consumir os alimentos nativos, além de identificar quais alimentos são nativos de cada região e começar um questionamento sobre a origem dos alimentos”, sugeriu.

Origem esquecida

Ele acrescentou que, por conta dos alimentos ultraprocessados, as pessoas acabam esquecendo a origem dos alimentos e que muitos não conhecem como é o alimento in natura, só sabem como é o pacote após ser processado. Nas cidades, há ainda maior distanciamento entre produção e população.

“[É preciso] reaproximar a população através da produção dos alimentos, então a gente observa que a população agora vive em grande maioria na área urbana, então incentivar por meio de hortas comunitárias seria um bom exemplo para aumentar a disponibilidade desses alimentos nas áreas urbanas”, finalizou.

* Matéria atualizada às 10h35 para incluir informação sobre a revista científica em que o estudo foi publicado.

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