Bebês com AME recebem, no Recife e em Brasília, primeiras doses do Zolgensma custeadas pelo SUS

Millena Brito, mãe da bebê que recebeu a infusão em Brasília (DF), descobriu o diagnóstico de AME aos 13 dias de vida da filha. FOTO: Igor Evangelista/MS

 

Da Redação e Agência Brasil

A primeira infusão do Zolgensma – um dos medicamentos mais caros do mundo, custeada pelo Sistema Único de Saúde (SUS), foi aplicada hoje (15), no Recife, e em Brasília em crianças com Atrofia Muscular Espinhal (AME) tipo 1, a forma mais grave da doença.

Em março, o Ministério da Saúde (MS) incorporou a terapia gênica ao SUS após acordo com a farmacêutica Novartis, que garante ao governo só pagar o medicamento se ele surtir o efeito esperado nos pacientes.  Com dose única estimada entre R$ 7 milhões e R$ 11 milhões, o tratamento é destinado a crianças de até seis meses de idade que não estejam sob ventilação mecânica invasiva por mais de 16 horas por dia.

O Zolgensma é uma terapia gênica inovadora, considerada a mais avançada no tratamento da AME tipo 1. Administrado em dose única, o medicamento tem potencial de modificar o curso da doença e trazer ganhos importantes no desenvolvimento motor e respiratório de crianças diagnosticadas precocemente.

No Recife, o procedimento foi realizado pelo Serviço de Referência em Doenças Raras (Rarus) do Hospital Maria Lucinda, conveniado à Secretaria de Saúde de Pernambuco. integrante da rede SUS.

A primeira beneficiada com a medicação em Pernambuco é uma menina de seis meses, residente no município de São Caetano, Agreste do Estado. Aos três meses, a criança foi diagnosticada com a doença pelo Rarus  e passou a ser acompanhada pela equipe multidisciplinar da unidade.

“Minha esperança é ver o que toda mãe sonha: minha filha andando, correndo, brincando, falando, comendo pela boca, respirando normalmente — coisas que a doença impede. Minha filha já é um milagre e creio que ela vai conseguir tudo isso. E digo para outras mães que não deixem de ter força e fé”, declarou, emocionada, a mãe da bebê, Aline Santos, agradecendo à equipe do Rarus pelo acolhimento e cuidado desde o início.

A AME é uma doença genética rara e progressiva, herdada dos pais, que compromete a produção de uma proteína fundamental para a manutenção dos neurônios motores — células responsáveis por funções voluntárias básicas do corpo, como respirar, engolir e se movimentar. A doença varia dos graus 0 a 4 e não tem cura.  no entanto, o SUS oferece os tratamentos que conseguem estabilizar a sua progressão.

Momento histórico

Para a secretária de Saúde de Pernambuco, Zilda Cavalcanti, a aplicação do Zolgensma representa um avanço na oferta de terapias de alta complexidade pelo SUS. “De forma inédita, o SUS garante o acesso gratuito a um medicamento com um custo tão elevado e baseado em bons resultados. Mais do que um marco científico, essa conquista representa esperança para outras famílias que enfrentam o mesmo diagnóstico”, destacou a secretária.

“É um momento histórico para a saúde pública do nosso estado e para o nosso Hospital. Realizar essa aplicação no Maria Lucinda simboliza o reconhecimento de nossa capacidade técnica e estrutural para liderar iniciativas inovadoras e de grande impacto social dentro do SUS”, completou o superintendente do HML, Luiz Alberto Araújo.

O processo de infusão foi acompanhado por uma equipe multiprofissional do Hospital e por médicas especialistas do Rarus, que acompanham de perto a evolução da paciente. “A infusão é um procedimento rápido, tranquilo e geralmente bem tolerado pelas crianças. Mas o essencial é o diagnóstico precoce: quanto antes a AME for identificada, melhores as chances de resposta ao tratamento”, afirmou a neurologista pediátrica, Vanessa Van Der Linden, responsável pelo procedimento.

Ela também detalhou o preparo da equipe para viabilizar o procedimento com segurança. “Montamos uma estrutura segura, com avaliação rigorosa, monitoramento laboratorial semanal, uso preventivo de corticoides e suporte multidisciplinar. É um esforço conjunto entre equipe médica, família, reabilitadores e rede de apoio social”, declarou a médica.

Responsável pelo recebimento e o preparo da medicação para a paciente, a farmacêutica do Maria Lucinda, Andressa Mendonça, disse que o  tratamento é peso-dependente, produzido especificamente para a paciente. “No dia da infusão, a bebê foi pesada novamente. Se houvesse diferença em relação ao peso informado na solicitação, faríamos o ajuste da dosagem na hora, garantindo a segurança e a eficácia do procedimento”, explicou.

Após a infusão do Zolgensma, a paciente fica sob supervisão clínica ainda no Hospital antes de ser liberada. “As primeiras horas após a infusão são monitoradas com atenção, principalmente em relação a possíveis reações alérgicas. Depois desse período, com tudo sob controle, a paciente poderá receber alta e continuar o acompanhamento ambulatorial conforme o protocolo, com fisioterapia, fonoaudiologia, avaliação motora, respiratória e cognitiva”, detalhou a também neurologista pediátrica Karina Soares, que acompanha a paciente desde o diagnóstico.

Importação da Europa e escolta

O Zolgensma foi importado da Europa pelo Ministério da Saúde e chegou com escolta em Pernambuco, na última terça-feira (13), na Central de Assistência Farmacêutica do Hospital Maria Lucinda, a uma temperatura de -49,5º. O medicamento ficou armazenado em refrigerador até o momento da aplicação.

Alexandre Padilha: ” O Brasil passa a fazer parte dos seis países a garantirem essa medicação no sistema público”. FOTO: Bruno Peres/Agência Brasil

o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, foi ao Hospital da Criança José Alencar para acompanhar o caso de uma bebê diagnosticada com a AME tipo1. “O Brasil é um dos seis únicos países que oferecem essa medicação extremamente inovadora e cara. Seria impossível para as famílias arcarem com o seu custo”, destacou o ministro.

Segundo ele, há três novos pedidos do medicamento para pacientes no SUS, que vão entrar em um protocolo de exames e atendimentos. Esse protocolo estabeleceu um fluxo específico para o tratamento da doença na rede pública. A estimativa do ministro é que mais de 100 pacientes com recomendação para o uso do remédio sejam atendidos nos próximos anos. “A expectativa é incluir, em dois anos, entre 130, 135, 140 casos. Isso aí pela projeção e estatística”, informou.

De acordo com o Ministério da Saúde, com a incorporação do Zolgensma, o SUS passará a ofertar  todas as terapias modificadoras da AME tipo 1.

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), entre os 2,8 milhões de brasileiros nascidos vivos em 2023, cerca de 287 foram diagnosticados com a doença. Na prática, o tratamento faz uso do medicamento substituindo a função de um gene ausente ou que não está funcionando corretamente. A doença rara afeta os movimentos do corpo e a respiração.

Protocolo para o tratamento

Para iniciar o tratamento, a família do paciente deve procurar um dos 28 serviços de referência para terapia gênica de AME, presentes no Distrito Federal e nos estados de Alagoas, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Minas Gerais, Mato Grosso, Pará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo.

O paciente será acolhido e passará por uma triagem orientada pelo Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Atrofia Muscular Espinhal 5q Tipos 1 e 2, estabelecido pelo Ministério da Saúde. Antes do acordo, o Zolgensma era ofertado pelo Ministério da Saúde em cumprimento a mais de 160 ações judiciais.

 

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