Etiene Ramos
No aniversário de 82 anos, nesta terça-feira (11), o médico Francisco Barretto, o Dr. Chicão, celebra não apenas a vida, mas um legado que vai além do nome construído na medicina e dos tantos pacientes curados.
É um legado literário, obras que o colocaram na cadeira 17 da Academia Pernambucana de Letras, em 2015. Os livros a Construção do Dia; Liberdade – Vide Versos – Fragmentos, Disfarces, Diagnósticos; e A Casa e o Mundo, mostram a veia poética e filosófica que a medicina não pôde conter. “Quando estava na universidade, parei de escrever poesia, achei que poderia atrapalhar. Dois ou três anos depois me dei conta que não atrapalhava em nada, poderia até ajudar. Voltei a escrever”, revela.
O olhar do Dr. Chicão sobre a realidade, por mais dura que seja, é de oportunidades, é positivo. Isso vai ficar muito claro no seu novo livro Doença e Destino, que ele deve lançar em breve. Trata-se de uma coleção muito particular de histórias de personagens reais e da sua própria vida, que inspirou a obra. “O livro Doença e destino começou quando meu primeiro neto nasceu, com más formações e precisou de cirurgias. Minha filha, também médica, viveu internada numa UTI nos primeiros cinco meses da vida dele. Ela o amou como se amasse o filho mais perfeito. Abraçou o destino. É meu filho, vou cuidar. É meu filho, meu destino. Coração de mãe é impressionante, não se tem palavras para descrever”, conta um pai e avô orgulhoso pela superação e a coragem diante da vida.
Hoje o neto tem quase 15 anos, mora com a mãe nos Estados Unidos, e representa a ponta da inspiração que trouxe à memória do avô histórias e reflexões marcantes. “A doença se liga ao destino, seja o seu ou de um filho com uma doença que o acompanha a vida inteira, como uma cegueira. A partir daí você vive sua vida para deixar aquele cego com autonomia, autossuficiência. Aquela mudança na vida dele também mudou você. É uma relação bonita da gente focar”, afirma o clínico médico.
Na maioria das vezes, segundo ele, doença é uma coisa que dá e passa. Você aprende que a vida existe e tem que responder, não pode deixá-la de lado. Mas há casos onde a esperança deixa de ser uma ligação com o futuro para se tornar uma ponte com o presente. “Quando pensei em viver sem esperança me veio a lembrança do pai de um paciente jovem, de vinte e poucos anos, que atendia na Califórnia, quando fazia uma pós-graduação. Ele teve câncer, chegou a metástase. Aí vi que a esperança dá um sentido de se enxergar seu ponto no presente. Como você está. A esperança, de certa forma, também é um caminho”, declara.
Para o Dr. Chicão, a terminalidade é o momento do reconhecimento do paciente de realizar sua despedida. Mas como se faz? Como viver sem esperança? Recordando o caso da Califórnia, que se repete todos os dias, no mundo todo, o pai não entende que o filho está tão doente. Ele não suporta. Quer vê-lo sadio, apto, para dar continuidade à vida. Mas não há mais oportunidade.
“Naquele minuto, aquela pessoa terminal tinha necessidades a serem cumpridas, o seu legado. A despedida dos pais. Dizer que foi bom ser filho deles, que é muito grato. Existem momentos em que o cuidado numa ponta e a esperança se segregam, independente das doenças. Mas na terminalidade não. Vou morrer agora. Tenho dívidas a deixar quites. Tenho que construir o adeus. Está sendo difícil também para meus pais aceitarem”, pontua Dr. Chicão, olhando para uma situação crítica onde o doente ainda pode moldar o desfecho do seu destino.
Numa profissão em que se trabalha sempre com esperança, com fé, o médico é preparado para conviver com o fim da vida, com a falta de esperança numa reviravolta no tratamento ou mesmo no milagre, enfrentando tudo com naturalidade, mesmo sob impacto de emoções fortes.
Nos quase 60 anos de profissão do Dr. Francisco Barreto, também é assim. Mas a emoção, contida sob o jaleco, inúmeras vezes, emerge, de vez em quando, em forma poética. “Fiz uma série de poemas sobre a terminalidade. Como se morre em paz ou com angústia. Porque na paz, toda vez? Porque não há ingratidão – isso tem no livro. Na realidade, ele é baseado na experiência de como uma doença define o destino das pessoas quando se está tomando um prumo. Se culpa o destino…”, conclui.
Aos pacientes e leitores, agora é esperar pelo lançamento de “Doença e destino” e seguir a recomendação básica do Dr. Chicão: “O doente não tem que deixar a vida de lado. Tem que viver a vida que pode, que a doença permite. Sempre”.
Acredito não haver coincidência no fato de grandes escritores terem abraçado tb a carreira médica. Guimarães Rosa tb era médico. O olhar literalmente clínico que a tudo pondera, analisa e dá o melhor diagnóstico sobre cada realidade, podemos sentí-lo nas sábias reflexões da entrevista concedida pelo médico Chicão. Parabéns, Etiene, pela oportuna e refinada série de entrevistas, com um dos maiores nomes da medicina em Pernambuco e tb parabéns ao entrevistado pelo seu aniversário e por operar na objetividade o sentido profundo que nos remete a experiência dos dias vividos.