“Prezadas pessoas, agradeço por me trazerem até aqui. Mas, vou seguir sem vocês”.

Dr. Kleber Araújo é médico e pesquisador associado ao Núcleo de Telessaúde da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) / Foto: Divulgação

Recentemente, entrei em contato com uma reportagem que relatava que a Associação Nacional de Distúrbios Alimentares em Nova Iorque havia descontinuado o uso de sua ferramenta de relação com seus usuários. Uma das hipóteses levantadas na reportagem é que houve indicações de condutas inadequadas realizadas pela inteligência artificial (IA). 

Do meu ponto de vista, até aí, nada muito inesperado ou interessante. Mas, algo chamou minha atenção, quando li a história por trás da história. Antes desse desfecho, houve um movimento de demissão de funcionários que trabalhavam na linha de apoio para pessoas com transtornos alimentares, pois haviam se sindicalizado. Em seguida, uma pessoa com transtornos alimentares e um profissional de saúde mental publicaram que a orientação realizada pela IA havia sido inadequada e aí a confusão estava armada, no que culminou com o encerramento do acesso à plataforma de orientação.

Não estamos vendo corpos metálicos na rua ou a Skynet tentando nos controlar, mas outro tipo de guerra está acontecendo de forma menos Hollywoodiana. A Digital Workforce, força de trabalho digital, passa a disputar espaço com os recursos humanos na mente das nossas lideranças.

A decisão de manter a sustentabilidade das empresas, às custas de “planilhar o  desligamento” dos colaboradores como forma de justificar o investimento em soluções de inteligência artificial vem sendo cada vez mais vivenciada no dia a dia das nossas empresas.

Nos últimos anos, temos testemunhado um aumento significativo no investimento em soluções baseadas em inteligência artificial por parte das empresas. Embora a IA possa trazer benefícios e melhorar a eficiência dos processos, é preocupante ver que muitas vezes esses investimentos vêm acompanhados de demissões, deixando as pessoas preocupadas com seu futuro e a estabilidade de seus empregos.

Os gestores, em busca de aumentar a competitividade e reduzir custos, estão optando por substituir trabalhadores por sistemas automatizados e algoritmos inteligentes. É compreensível que nossas lideranças busquem eficiência e lucratividade, mas a decisão de cortar postos de trabalho em favor da IA tem consequências significativas para as pessoas envolvidas e para a sociedade como um todo.

Até porque, a ameaça atual pode ser mais dirigida às equipes de teleatendentes ou de recepcionistas, mas é questão de tempo para que atividades de outros profissionais também passem a ser realizadas de forma mais eficaz por sistemas computacionais. Como evidenciado em um artigo científico recente, publicado no Journal of the American Medical Association, que pacientes consideraram mais empáticas as respostas fornecidas pela inteligência artificial do que as fornecidas pelos médicos em um fórum de uma rede social. Não era exatamente por conta da empatia que nós humanos nunca iríamos ser substituídos em algumas atividades?

É importante nos questionarmos se afastar as pessoas dos processos de trabalho é realmente a única opção. Em vez de optar pela eliminação de empregos, os gestores poderiam investir em soluções mais criativas e sustentáveis, viva a inteligência humana! Por exemplo, poderiam realocar os colaboradores para outras áreas da empresa, onde suas habilidades e conhecimentos possam ser aproveitados de forma diferente. Também poderiam oferecer programas de reciclagem e treinamento para atualizar as habilidades dos funcionários, permitindo que eles se adaptem às novas demandas tecnológicas.

É fundamental entender que a tecnologia não deve ser vista como uma ameaça aos empregos, mas como uma ferramenta para potencializar o trabalho humano. A IA pode ser uma aliada dos colaboradores, automatizando tarefas repetitivas e permitindo que eles se concentrem em atividades mais complexas e criativas. Ao invés de substituir os trabalhadores, a IA pode ser integrada ao ambiente de trabalho para melhorar a eficiência e promover a inovação.

Portanto, os gestores devem refletir sobre o impacto de suas decisões e buscar alternativas mais equilibradas. Investir em IA é válido, mas também é crucial preservar a dignidade e os meios de subsistência dos colaboradores. Afinal, as empresas não existem apenas para gerar lucro, mas também para contribuir para o bem-estar da sociedade como um todo.

É hora de repensar as abordagens e encontrar soluções que combinem o avanço tecnológico com a valorização das pessoas. Devemos lembrar que o sucesso de uma empresa não se mede apenas pelos números, mas também pela forma como ela trata seus colaboradores e contribui para a construção de uma sociedade mais sustentável e inclusiva.

Bem, voltando ao nosso título, “Prezadas pessoas, agradeço por me trazerem até aqui. Mas, vou seguir sem vocês”. Claro que, com outras expressões mais eufêmicas, mas quem vem falando isso diariamente, não é uma inteligência artificial perversa, munida de poderosos recursos de processamento de linguagem natural e text-to-speech poliglotas. São nossos gestores, nossas lideranças, que escolhem descartar as próprias pessoas que  ajudaram as suas empresas a chegar até onde chegaram.

Vamos acolher a inteligência artificial em nossas vidas, mas de forma responsável com cada um dos nossos colegas de espécie. Só por curiosidade, este artigo tem parágrafos escritos apenas por humanos, outros por uma inteligência artificial e outros de forma colaborativa.

Até a próxima ou I will be back!

Fontes citadas:

1 Trackback / Pingback

  1. Pesquisador da USP diz que tsunami tecnológico exige nova educação para evitar analfabetos digitais - Polo Médico

Faça um comentário

Seu e-mail não será divulgado.


*