
Por Pedro Ivo Buainain*
Entusiasta da IA:
“A velocidade e a precisão que esses algoritmos oferecem podem salvar vidas, sobretudo em locais com falta de especialistas. Com mais dados e supervisão adequada, a IA pode se tornar nossa principal aliada para diagnósticos e triagem.”
Especialista Cauteloso:
“Precisamos de processos transparentes e protocolos rigorosos de responsabilização. Se a IA for tratada como substituta do médico, corremos o risco de erros graves, principalmente em situações para as quais o sistema não foi treinado.”

A inteligência artificial (IA) vem avançando rapidamente na área da saúde. Quando utilizada de forma criteriosa, pode tornar o atendimento ao paciente mais ágil e preciso. Eu falo como médico intensivista, habituado a lidar com quadros clínicos complexos e urgências diárias. Tenho observado que algoritmos de IA colaboram significativamente em diagnósticos, monitoramento e até na previsão de complicações. No entanto, é fundamental lembrar que toda nova tecnologia precisa ser integrada com cautela, servindo de apoio à equipe de saúde, e não substituindo o olhar clínico nem a decisão baseada na experiência e na relação com o paciente.
Entre os benefícios mais visíveis, destaco a interpretação de exames de imagem. Em locais onde faltam radiologistas, contar com uma ferramenta como a Annalise Enterprise CXR — capaz de reconhecer mais de cem alterações radiográficas — faz enorme diferença. Em paralelo, sistemas de triagem como o Symptomate, da Infermedica, facilitam a identificação de riscos e sintomas, diminuindo filas, priorizando casos mais graves e permitindo que profissionais de saúde concentrem sua atenção onde ela é mais urgente.
A IA também tem demonstrado impacto significativo na pesquisa farmacológica e no desenvolvimento de novas moléculas. Durante a pandemia de COVID-19, por exemplo, plataformas de IA ajudaram a identificar rapidamente potenciais agentes terapêuticos, como o baricitinibe, que passou a ser utilizado para reduzir a inflamação em pacientes graves. Esse é um exemplo de como a computação avançada pode agilizar descobertas que, em outros tempos, levariam muito mais tempo para serem confirmadas.
No entanto, sabemos que a prática médica é feita de detalhes e nuances que nem sempre se encaixam nos padrões “aprendidos” pelas máquinas. A IA contribui para reduzir o viés cognitivo — isto é, a tendência humana de cometer erros de julgamento ao avaliar e interpretar informações, influenciada por experiências prévias, intuições ou preferências pessoais. Apesar desse benefício, a IA depende de bases de dados bem estruturadas e isentas de distorções para produzir resultados confiáveis. Se houver falhas ou parcialidades nesses dados, o resultado pode ser um diagnóstico impreciso ou, pior ainda, a perpetuação de desigualdades na assistência.
Além disso, muitas redes neurais ainda funcionam como “caixas-pretas”, isto é, sistemas em que é difícil entender ou rastrear a lógica interna que levou a determinada conclusão. Esse “mistério” sobre o processo de decisão torna mais complexa a atribuição de responsabilidades em caso de falha ou erro de diagnóstico, além de prejudicar a conquista da confiança de profissionais e pacientes no sistema.
Quando tratamos de ética e aspectos legais, a situação se torna ainda mais delicada. Quem atua na linha de frente sabe o quão sensível é a relação entre médico, paciente e dados clínicos. É fundamental proteger essas informações contra vazamentos e garantir seu uso adequado. Se um algoritmo falha, quem se responsabiliza? E como explicar ao paciente que parte da decisão foi auxiliada por uma inteligência artificial? Essas questões demonstram que não se trata apenas de aspectos técnicos, mas de governança, transparência e respeito à vida e à autonomia do paciente.
Por isso, acredito que o grande desafio seja equilibrar as inovações com a humanização do cuidado. A IA tem um potencial imenso para nos auxiliar, sobretudo em ambientes como UTIs ou prontos-socorros, mas só terá êxito real se respeitar a individualidade de cada caso e for supervisionada por profissionais bem treinados. Investir na formação das equipes, aprimorar algoritmos com dados confiáveis e éticos, e manter o contato próximo com o paciente são medidas cruciais para o uso adequado dessa tecnologia.
No fim das contas, a IA na saúde não é apenas uma discussão sobre algoritmos: trata-se de conciliar inovação com a tradição de cuidado humano. Muitos especialistas a consideram o maior avanço médico desde o surgimento dos antibióticos, tamanha a sua capacidade de transformar diagnósticos, tratamentos e até a relação entre médico e paciente. O debate entre o entusiasta e o cauteloso, portanto, reflete a realidade que vivemos: embora a tecnologia possa revolucionar a medicina, devemos garantir que ela jamais ofusque a experiência clínica e o respeito ao paciente.
*Pedro Ivo Buainain é médico intensivista, especialista pela Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB)
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