Por Etiene Ramos, com Agência Brasil
A repercussão dos casos de seis pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS) no Rio de Janeiro que receberam órgãos transplantados e foram infectados por HIV, alerta para uma maior atenção dos órgãos de fiscalização junto às empresas que prestam serviços de saúde na esfera pública. O caso ganhou manchetes policiais no país e revelou um total descaso do laboratório Patologia Clínica Dr. Saleme (PCS Labs) com a segurança e processos éticos em suas práticas.
Depois de três contratos, sem licitação, com a Fundação Saúde, responsável por gerir as unidades da rede de saúde do Rio de Janeiro, o PCS Labs, parece ter ficado mais confiante para correr risco e mais ávido por lucro. Conforme o último contrato, conquistado por pregão eletrônico e assinado em dezembro de 2023, era dever do laboratório checar as condições sanitárias dos órgãos que seriam transplantados. Porém, o controle de qualidade da sorologia, que era diário, passou a ser semanal em janeiro deste ano a fim de reduzir os elevados custos com os kits reagentes.
De acordo com o delegado André Neves, da Polícia Civil do Rio, o laboratório negligenciou a checagem da validade dos reagentes – produtos químicos que reagem com o sangue contaminado e indicam a presença do vírus. Fora da validade, esses insumos podem ser ineficazes na detecção do HIV e resultar em um exame falso negativo.
A mudança foi o sinal verde para órgãos infectados irem parar em pacientes que buscaram a cura com os transplantes e voltaram para casa com outra doença, ainda incurável.
Sequência de erros graves
Sócios e funcionários do PCS Labs já presos vêm apontando erros que desvendam muitas irregularidades numa empresa só. Elas vão de assinaturas de laudos por pessoas sem a competência legal exigida a contratos com a Fundação Saúde sem licitação. Pesa ainda o parentesco entre o deputado federal Dr. Luzinho (PP-RJ), ex-secretário de Saúde do Rio, em 2023, e sócios da empresa.
O parlamentar afirma que nunca participou de escolha de laboratórios na sua gestão e que não era mais secretário em dezembro passado, quando o PCS Labs assinou o último contrato, no valor de R$ 9,8 milhões. O documento previa análises clínicas e de anatomia patológica em todas as unidades da rede administrada pela Fundação. “É inadmissível que um ser humano faça um transplante e, por erros que nunca poderiam ocorrer, adquira uma nova doença. Espero que o caso seja investigado de forma rápida e os culpados sejam punidos exemplarmente”, declarou o deputado.
Contratos sem licitação
Antes da assinatura do último contrato, a Fundação da Saúde já havia firmado pelo menos outros dois com o PCS Labs, ambos com dispensa de licitação, conforme apurado pela Agência Brasil. Em outubro de 2023, o laboratório foi contratado, por 180 dias, para fazer análises clínicas e de anatomia patológica para o Hospital Estadual Ricardo Cruz, em um contrato de R$ 3,9 milhões.
Um contrato ainda mais antigo, assinado em fevereiro do ano passado, com o valor de R$ 2,2 milhões, previa a prestação desse mesmo serviço para quatro unidades de Pronto Atendimento (UPA) da zona oeste da cidade do Rio, também por 180 dias.
A Agência Brasil questionou a Secretaria de Estado de Saúde sobre os motivos dos dois contratos, assinados em fevereiro e outubro deste ano, terem sido feitos com dispensa de licitação. “A Secretaria de Estado de Saúde (SES-RJ) informa que o contrato licitado em dezembro de 2023 era o único que a empresa tinha vigente com a Fundação Saúde. O laboratório PCS não presta serviço para mais nenhuma unidade da rede estadual”, respondeu a Secretaria, sem esclarecer o motivo da dispensa.
O contrato com o laboratório foi suspenso depois que Secretaria tomou ciência da infecção dos seis pacientes por HIV e abriu uma sindicância para punir e identificar os responsáveis pelo incidente.
A Secretaria Municipal de Saúde de Nova Iguaçu, município da Baixada Fluminense onde fica o PCS Labs, informou que a inspeção anual mais recente realizada por sua vigilância sanitária no laboratório havia sido feita em março deste ano e que o estabelecimento estava dentro das normas.
A Secretaria e o Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro (Cremerj) informaram que abriram sindicâncias para identificar e punir os responsáveis. O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ) e a Polícia Civil abriram inquéritos para investigar o caso.
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